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Conheça 5 relíquias da coleção de insetos do Butantan

Casal de moscas capturado em cópula por Carlos Fischer, na década de 1930. Foto: José Felipe Baptista

É no prédio do Laboratório de Coleções Zoológicas do Butantan (LCZ) que se encontram alguns dos valiosos acervos científicos do instituto. São milhares de exemplares de répteis, anfíbios, aracnídeos, ácaros e insetos que não apenas fazem brilhar os olhos dos cientistas, como são essenciais para o desenvolvimento de inúmeras pesquisas nacionais e internacionais.

Entre os tesouros está a Coleção Entomológica. Localizada em uma sala especial com mais de 230 gavetas, atualmente ela é composta por cerca de 20 mil espécimes – principalmente dípteros (ordem que abrange moscas, mosquitos, varejeiras, pernilongos, borrachudos e mutucas), lepidópteros (popularmente conhecidos como mariposas e borboletas) e hemípteros (percevejos, também chamados de “barbeiros”).

Criada oficialmente na década de 1930 pelo acarologista e entomologista Flávio Oliveira Ribeiro da Fonseca, então diretor do Laboratório de Parasitologia, a coleção de insetos vem passando por um processo de reorganização há quase seis anos. “Realizamos a limpeza dos armários e dos espécimes, e trocamos todas as gavetas. Também revisamos e digitalizamos todas as informações contidas nas etiquetas, padronizando os processos. A ideia é valorizar e conservar o que já temos tombado para, então, receber novos exemplares”, afirma a atual curadora, Flávia Virginio.

Neste intenso trabalho de reestruturação, a equipe de biólogos da Coleção Entomológica do LCZ já se deparou com grandes surpresas, como uma caixa de charutos com quase 300 moscas, além de exemplares de mutuca coletados por aquele que é considerado o pai da medicina tropical, Adolpho Lutz (1855-1940).

A seguir, conheça essas e outras relíquias do acervo entomológico do Butantan:

Foto: José Felipe Baptista

1. Mutucas anciãs

Capturados em 1902, quatro exemplares centenários de mutucas da família Tabanidae são os espécimes mais antigos da coleção. Provenientes da capital paulista, de Mogi das Cruzes, Ribeirão Preto e Batatais – todas cidades localizadas no estado de São Paulo –, as coletas foram realizadas em expedições do renomado sanitarista Adolpho Lutz. Especializado em medicina tropical, o médico carioca desenvolveu trabalhos pioneiros para o combate e controle de doenças endêmicas e epidêmicas do século XX, entre elas cólera, febre amarela, febre tifoide e malária.

Famosas por suas picadas dolorosas, as mutucas são bastante robustas e podem ser agentes transmissores de patógenos, uma vez que as fêmeas se alimentam de sangue humano. Quando larvas, predam outros insetos e podem contribuir para o controle biológico de certos insetos-praga, mas diante da ausência de alimentos, chegam a adotar hábitos canibalistas.

Foto: José Felipe Baptista

2. Uma caixa de charutos, centenas de moscas

Foi durante uma de suas diversas empreitadas de organização do acervo que o biólogo e técnico de laboratório Eli Oliveira se deparou com um objeto para lá de curioso: uma caixa de charutos de madeira, com as inscrições Stender & Co estampada na tampa. “Fiquei muito surpreso ao abrir, pois me deparei com exatos 298 espécimes, entre eles uma aranha da família Salticidae, além de muitas moscas. Eles estavam cuidadosamente montados. Chamava a atenção que casais de machos e fêmeas estavam fixados juntos no mesmo alfinete, e havia a informação na etiqueta de que aqueles exemplares tinham sido coletados em cópula”, conta o colaborador.

Durante os processos minuciosos de limpeza e reestruturação dos exemplares, em que o biólogo contou com a ajuda de outros especialistas, Eli analisou e preservou cada uma das etiquetas – escritas à mão e devidamente assinadas. Assim, descobriu que a coleta foi realizada na década de 1930 pelo desenhista, fotógrafo e entomólogo Carlos Rodolpho Fischer. Alemão radicado no Brasil, o especialista teve passagens pelo Instituto Butantan e pela Fundação Oswaldo Cruz, dedicando-se intensamente aos estudos de metamorfose, sistemática e distribuição geográfica dos insetos.

Foto: José Felipe Baptista

3. Mariposa que é literalmente “metade macho, metade fêmea”

Durante uma pesquisa de campo na cidade de Igaratá (SP), em 1995, o pesquisador aposentado do Instituto Butantan e antigo curador da coleção entomológica Roberto Henrique Pinto Moraes realizou uma coleta curiosa: um exemplar de Periga circumstans com ginandromorfismo bilateral. Na língua grega, gynos significa feminino, e andros, masculino; a condição diz respeito àqueles animais que apresentam características de macho e fêmea no mesmo espécime.

Como se fossem duas mariposas diferentes unidas pelo meio, o bicho apresenta padrões femininos à esquerda do corpo e masculinos à direita. “A diferença fica bem clara ao observar as duas antenas: de um lado ela é filiforme, como a das fêmeas; do outro, plumosa, típica dos machos. Além dessa, há diferenças no formato e na coloração das asas”, esclarece a técnica de laboratório da Coleção Entomológica, Natalia Khatourian.

Foto: José Felipe Baptista

4. Espécimes-tipo: as “figurinhas brilhantes”

São conhecidos como “espécimes-tipo” os “indivíduos originais” utilizados na descrição de uma determinada espécie. Devido à sua relevância científica, eles precisam ser mantidos a sete chaves como uma forma de garantia, caso no futuro algum outro pesquisador necessite confirmar informações ou características que já foram previamente definidas. “Nós comparamos os tipos às figurinhas brilhantes dos álbuns colecionáveis. São itens raros e de alto valor científico”, observa Flávia Virginio.

Na coleção entomológica do Instituto Butantan, por exemplo, há espécimes-tipo de diferentes espécies de flebotomíneos, datados do início do século passado. Conhecidos popularmente como mosquitos-palha, esses insetos hematófagos são de interesse para a medicina humana e veterinária, uma vez que podem estar relacionados à transmissão da leishmaniose.

Foto: José Felipe Baptista

5. Uma linguaruda tupiniquim

As mariposas com probóscide avantajada ganharam fama devido às previsões realizadas pelo naturalista Charles Darwin lá pelos idos de 1860. Ao observar o extenso nectário de uma orquídea-cometa (Angraecum sesquipedale), o britânico inferiu sobre a existência de uma mariposa de longuíssima espirotromba (órgão similar a uma língua), essencial para o processo de polinização e reprodução da planta. Quatro décadas após suas primeiras afirmações, o inseto linguarudo foi, enfim, descrito, confirmando mais a teoria do pai da evolução.

Apesar da “espécie de Darwin” ser nativa da Ilha de Madagascar, na África, existem mariposas com características bastante semelhantes a ela em outros lugares do mundo – uma delas é a Neococytius cluentius, nativa do Brasil. Integrante da família Sphingidae, o espécime da coleção entomológica do Butantan possui 24 centímetros só de probóscide e demanda bastante cuidado nos momentos de manipulação e conservação. “Ele é um bicho robusto, por isso se torna mais propenso a ser colonizado por fungos quando a umidade fica descompensada”, explica Natália, acostumada a trabalhar com o exemplar.

Além disso, se a coleção está com infestação de insetos-praga, como os da ordem Psocoptera, as mariposas da família Sphingidae são um prato cheio, já que possuem bastante massa corpórea. “Por isso, nossa equipe está sempre atenta a qualquer alteração, por menor que ela seja. O objetivo é manter problemas curatoriais bem longe do acervo”, complementa Flávia.

Conservação e visita ao acervo

De tempos em tempos, todos os espécimes da coleção entomológica passam por um processo de manutenção a fim de evitar problemas causados pela umidade, como a possível proliferação de fungos, bem como a infestação de insetos-pragas.

“Semanalmente, realizamos em todas as gavetas a troca da sílica, a fim de reduzir a umidade, e da cânfora, que funciona como uma espécie de repelente para insetos que possam atuar como pragas. Já a limpeza demanda a aplicação de álcool isopropílico em todas as partes do animal e é realizada com total atenção e cuidado”, explica Eli. Devido à delicadeza, os menores indivíduos – como os mosquitos e pernilongos – são justamente os mais complexos, exigindo maior dedicação.

Atualmente, a consulta ao acervo da coleção entomológica do LCZ é acessível apenas para pesquisadores e estudantes, mediante agendamento prévio. Entretanto, o laboratório possui uma coleção didática, utilizada em atividades educativas do Parque da Ciência Butantan. Por isso, fique sempre atento à programação e participe das futuras ações.

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